Certamente você já ouviu essa frase. Ela transmite uma ideia de que, independente de uma relação consanguínea para definir quem é o pai, o que vale aqui é a relação afetiva, o sentimento de responsabilidade, as ações de cuidados e a demonstração de amor. Isso define uma paternidade, para além da hereditariedade. Então, eu reafirmo: Pai é quem cria!
Como eu quero falar sobre paternidade, um parênteses importantíssimo. Quando eu tratar aqui da figura do pai, não estarei apenas falando de um homem cisgênero heterossexual. Se pensarmos nas múltiplas configurações familiares da atualidade, uma criança pode ter, por exemplo, duas mães ou dois pais. Minha proposta é pensar em uma figura paterna ou uma figura materna, por assim dizer, independente da sexualidade ou do gênero que envolve o relacionamento do casal.
Dito isso, quero apontar a importância do pai ou da figura paterna no desenvolvimento psicoemocional dos bebês, crianças e adolescentes. Para cumprir tal objetivo, vou utilizar a teoria psicanalítica winnicottiana. Primeiro, vamos pensar em um desenvolvimento benigno, a partir de um modelo de ambiente familiar em que ambos, mãe e pai, participam ativamente dos cuidados parentais. Em seguida, vamos refletir sobre as possíveis falhas paternas, que têm o potencial de acometer o desenvolvimento sadio da prole.
Todo bebê humano nasce com um potencial para o desenvolvimento. Um ambiente suficientemente bom irá facilitar esse processo. Desde os primeiros momentos de vida fora do útero, é a mãe quem provê o ambiente do bebê. Winnicott propõe, inclusive, uma simbiose entre a mãe e o bebê nos primeiros meses de vida. Em nossa espécie, o bebê tem uma dependência absoluta da mãe. Sem os cuidados maternos, não sobreviveríamos mais que poucos dias.
Mas para que a mãe possa dedicar-se plenamente aos cuidados maternos, importa muito a presença paterna. Mesmo que o bebê ainda não reconheça o pai como pai, este desempenha um papel crucial, de diferentes maneiras, para que o ambiente facilitador do desenvolvimento infantil reúna todas as condições favoráveis. Na verdade, o papel do pai nesses primeiros meses de vida é o de proporcionar um ambiente emocionalmente significativo para a dupla mãe-bebê, de modo a assegurar os fundamentos da saúde emocional da cria.
A qualidade da presença do pai modula o estado de espírito da mãe. Ao experimentar o sentimento de estar protegida e amparada pelos cuidados paternos, a mãe se torna mais apta a dedicar-se ao bebê. O pai, em grande medida, ajuda a mãe ser mãe. Seja segurando o bebê no colo em momentos que a mãe precisa de intervalos, seja como um guardião, protegendo a mãe de interferências externas do ambiente, a figura paterna é vital.
Assim, quando pai e mãe, juntos, compõem o ambiente total do bebê em desenvolvimento, o potencial para desfechos positivos em saúde mental é diretamente proporcional. De outro lado, quando o ambiente falha demasiadamente, resultado da má qualidade ou mesmo da ausência da figura paterna, o prognóstico envolve agravos em saúde mental na infância ou adolescência.
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A seguir, relaciono alguns exemplos de falhas paternas: imaturidade de personalidade; deixar que distúrbios emocionais transbordem para a relação mãe-bebê; incapacidade de apoiar a mãe ou necessidade de ocupar o lugar dela; impossibilidade de se envolver de forma íntima e profunda com as demandas da criança ou adolescente; omissão frente a certos temas; dificuldade em oferecer regulação e contornos emocionais; violência, indiferença ou total complacência.
Por fim, se pai é quem cria, é justamente a presença da figura paterna e a qualidade desses cuidados que irão determinar a saúde psíquica e emocional de nossas crianças e adolescentes. Pode parecer simples, se o pai estiver presente e disposto. Mas o desafio é enorme, sobretudo em um país que, em 2023, teve mais de 172 mil crianças registradas sem a identificação da paternidade, representando 5% de todos os nascimentos. Nesse mesmo Brasil, 15% dos lares são chefiados por mães solo.(Foto: RDNE Stock Project/Pexels)
MARCELO LIMÃO
Sociólogo, psicólogo clínico, especialista em “Adolescência” (Unifesp) e “Saúde mental no trabalho” (IPq-USP). Colaborador no “Espaço Transcender – Programa de Atenção à Infância, Adolescência e Diversidade de Gênero”, da Faculdade de Medicina da USP. Instagram: @marcelo.limao/Whatsapp: (11) 99996-7042
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