O magnífico livro “O Avesso das Coisas”, do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, um dos aforismos se refere à velhice, dizendo que “a vida é breve, a velhice é longa”. A considerar que a obra foi escrita em 1987, outros tempos, sugere um quadro diferente do atual em relação aos idosos, quando não se vislumbrava muitas perspectivas para a pessoa ter uma velhice digna. Persistindo na tentativa de compreender a intensidade poética da mensagem, quando se diz que vida é breve, talvez o autor queira dizer que a vida passa rápido por ser proativa, repleta de acontecimentos, de afazeres em geral, enquanto a velhice seria mais contemplativa, sem perspectivas de uma vida mais atuante, ativa. É verdade que nos dias atuais, essa pode não ser a realidade de alguns idosos, que se exercitam, viajam e procuram estar atualizados no mundo que os rodeia. De qualquer forma, a velhice representa uma fase da vida das pessoas que carece de mais atenção, principalmente por parte da família, além da sociedade e do poder público através da implantação de políticas públicas aprimoradas e voltadas para os idosos. Segundo pesquisas recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, os brasileiros estão vivendo por mais tempo e a população idosa no país ultrapassou os 26 milhões de pessoas, segundo dados de 2013. A pesquisa também identifica crescimento considerado no número de idosos com mais de 80 anos, enquanto que a natalidade tem diminuído ao longo dos anos. Envelhecer com qualidade de vida e dignidade humana, talvez não seja a realidade da maioria dos idosos brasileiros, já que os transtornos sofridos por essas pessoas mais fragilizadas, tem sido registrado em todas as áreas do convívio social. O idoso merece atenção em todas elas, não só na área da saúde, lazer, transporte e outras, mas principalmente segurança para usufruir dos direitos que lhe cabem. A vulnerabilidade da pessoa na velhice deve ser tratada. É de responsabilidade de todos, família, sociedade e principalmente pelo poder público, a quem compete oferecer condições mínimas de segurança pública para pessoas idosas.

Consta como antiga tradição do povo japonês, que até onde se sabe preza pelo respeito aos mais velhos, que moradores localizados mais ao norte do país, davam destino terrível aos seus idosos. Esses, ao completarem 70 anos de idade, eram obrigados a subir ao topo do Monte Narayama e ali aguardar sozinhos e abandonados, a morte chegar. O fato era considerado normal, não violento, visto que os velhos tinham consciência de que já não produziam mais e representavam certo fardo para a família e comunidade local. Talvez, até para amenizar o sentimento de remorso da família, passado um ano da morte do idoso, era realizada uma celebração de homenagem em memória daquele velhinho exterminado à força e com requintes de maldade parental. Noutra interessante pesquisa publicada em revista de tiragem nacional, relata que um dos grupos de esquimós, conhecidos como Kutchin, ainda habitantes no Alasca, tinham como costume eliminar as pessoas mais velhas, que pediam para morrer, visto que também se sentiam inúteis para os afazeres da tribo, ou seja, na velhice viravam comida de urso. Verdade ou fantasia, apesar da tragédia familiar perpetrada na velhice dessas pessoas, não se considerava a prevalência do elemento violência contra idosos. A julgar pelos casos de violência registrados na atualidade, não foge muito dessa realidade cruel o que algumas famílias fazem com seus idosos, abandonando-os à própria sorte, negligenciando a atenção da qual dependem e necessitam para sobreviver, em razão do seu estado de fragilidade na velhice.

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A violência praticada contra pessoas idosas tem definições diferentes segundo a instituição que cuida do assunto. Para a Organização Mundial da Saúde – OMS, a violência se divide em cinco categorias: violência física, quando há lesão ou ameaça de lesão à integridade física do idoso; violência psicológica, aquela praticada de forma a causar sofrimento mental na vítima; violência financeira ou material que é aquela onde o idoso é subtraído nas suas economias, muito frequente nos casos de recebimentos de benefícios previdenciários por familiares inescrupulosos; violência sexual, obrigando a pessoa à prática sexual não consensual e a negligência, que é a forma de violência mais covarde pois que quem deveria fazê-lo, simplesmente não o faz e deixa o idoso à sua própria sorte, como nos casos de necessários acompanhamentos médicos para prescrição de remédios de uso contínuo. Já o Ministério da Saúde, também classifica a violência contra idosos como sendo física, sexual, psicológica, econômica, acrescendo outro tipo de violência chamada de institucional, mais direcionada contra os órgãos públicos responsáveis por garantir a proteção dos idosos. Também considera a negligência como forma de violência, acrescida do abandono e da autonegligência, ou seja, amplia-se o conceito para classificar tal tipo de violência contra pessoas idosas.

No mundo contemporâneo, a violência é praticada contra idosos das mais variadas formas, também com incidência maior no ambiente familiar. Segundo relatório da Organização Mundial da Saúde – OMS, elaborado a partir de pesquisas realizadas em 28 países, entre eles o Brasil, mais de 141 milhões de pessoas idosas foram vítimas de algum tipo de violência, seja física, psicológica, patrimonial, entre outras. O estudo faz uma projeção macabra de que se nada for feito até 2050, o número de pessoas idosas, vítimas de violência, deverá ultrapassar 320 milhões de pessoas no cenário mundial.

No Brasil, segundo dados divulgados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, no início deste ano, em 2016 foram registradas 32.632 ocorrências de violência contra pessoas idosas, contra 32.238 em 2015, portanto com um aumento de 25% dos casos, de um ano para o outro e continuam aumentado. Outro dado informado e já conhecido nos expedientes de polícia judiciária é que os agressores são na sua grande maioria, os próprios filhos da vítima e até netos, que os agridem dentro da própria casa, ou seja, dentro do convívio parentesco no ambiente familiar. Ironia pragmática à parte, fica comprovada a “tese” musical do compositor Teddy Vieira, que na música “Couro de Boi”, registra que um pai trata de dez filhos e dez filhos não tratam de um pai, pois que muito pelo contrário, em alguns casos os filhos até tentam exterminar o próprio velho coitado do pai.

No Estado de São Paulo, segundo mesmos dados obtidos através da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, as ocorrências de violência contra idosos aumentaram em mais de 10% de 2015 para 2016. Quanto ao tipo de violência praticada, a que mais cresceu foi a representada pela negligencia contra idosos, ou seja, também aquela violência vinculando algum ente familiar que deveria ter adotado alguma postura de prestação de auxilio ou ajuda à pessoa idosa e por alguma razão não o fez. Além dos números de ocorrências nesse sentido serem expressivos e abomináveis, a conduta de deixar de ajudar o parente idoso que necessita é condená-lo à morte, ainda que não seja devorado por um urso ou que morra à míngua no topo de algum morro por aí.

A Constituição Federal de 1988, dispõe que é obrigação da família, da sociedade e do Estado, promover condições de dignidade e bem-estar das pessoas idosas. Sendo obrigação e faculdade, toda e qualquer tipo de medida que vá nessa direção, deve ser realizada sob pena ser legalmente responsabilizado, aquele que não cumprir. Ainda que exista uma estrutura elaborada pelo poder público, para adoção dessas medidas, com criação de serviços específicos de proteção aos idosos, falta um importante elemento, qual seja, uma forma de avaliação de resultados, para se saber se realmente o que está sendo feito é o correto e se há possibilidades de corrigir ou aprimorar os resultados obtidos. A partir da CF/88, depois de tempos tramitando no Congresso Nacional, é promulgada em 1994, a Lei nº 8.842/94, dispondo sobre a Política Nacional do Idoso. A lei estabelece a idade de 60 anos para a pessoa ser considerada idosa. Relevante a previsão nessa norma de que o processo de envelhecimento diz respeito à sociedade em geral, e por isso deva ser objeto de conhecimento e informação para todas as pessoas. Em outras palavras, é importante que as pessoas se conscientizem a respeito da velhice e atenda as necessárias demandas dos idosos, pois que cada um dos cidadãos, caso não morra antes, também será um idoso no amanhã. As pessoas se esquecem desse pequeno detalhe e cometem as mais terríveis barbaridades contra pessoas que sequer conseguem se defender, dada a sua fragilidade em razão da sua idade avançada. A situação é tão triste e preocupante, não só no Brasil, mas também mundo afora, que a Organização das Nações Unidas, juntamente com a Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa, instituiu em 2006, o dia 15 de junho como sendo o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. Por certo nesse dia foram registradas várias ocorrências de violência contra essas pessoas no Brasil e pelo mundo.

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A lei que instituiu o Estatuto do Idoso em 2003, Lei nº 10.741/03, trouxe certo alento para a situação de desrespeito aos idosos, criminalizando certas condutas praticadas contra aqueles. Aclamada por uns, criticada por outros, a lei traz um capítulo dispondo sobre treze tipos de crimes. Desses, somente dois preveem pena superior a quatro anos, sendo que nos demais as penas ficam numa média de um a dois anos. O Estatuto prevê que os crimes apenados com até quatro anos, devem ser apreciados conforme procedimentos estabelecidos na Lei nº 9.099/95, que trata dos crimes de menor potencial ofensivo. Como a maioria dos crimes a pena não chega ao máximo previsto de quatro anos, questiona-se a efetividade da norma, produzindo sensação de impunidade para o agressor, ainda que a lei atenda uma política criminal voltada à proteção da família. A ideia é semelhante ao que prevê a Lei Ambiental, ou seja, não é a prisão efetiva do criminoso, mas promover a sua conscientização e responsabilidade em relação a proteção das pessoas idosas. Resta saber se essa brandura na responsabilização criminal, talvez não esteja contribuindo para o aumento no número de casos desse tipo de violência, já que a sua maior incidência ocorre comprovadamente no âmbito familiar.

No Brasil, não se pode alegar que as medidas de proteção a pessoa idosa não avançam por falta de legislação especifica. Também, quanto aos demais aspectos, sociais, econômicos, familiares, etc, existe plenas possibilidades de se avançar e aprimorar todo o aparato já existente. O que não pode é continuar havendo tantos casos de violência contra idosos em pleno século XXI, numa época de avanços em todas as áreas e ainda persistir tamanha covardia de algumas pessoas em prejudicar os mais fragilizados, seja por qual motivo for. Aproveitando a fala do poeta, que a velhice seja realmente longa, mas prazerosa, com respeito aos direitos da cidadania, com participação na vida da comunidade, com dignidade e bem-estar, tudo isso proporcionando uma melhor qualidade de vida para o idoso.

Certamente a pessoa idosa tem interesse em conhecer os ursos brancos do Alasca, numa visita ao zoológico, mas não conhecer a fera por dentro, como no caso dos esquimós que deixavam os velhinhos para a refeição dos ursos. Da mesma forma, os idosos também devem querer visitar locais altos, com bela vista panorâmica, mas não ser deixados ali para morrer à míngua. (foto acima: Youtube)


ferraz-400x267JOSÉ ROBERTO FERRAZ

Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.