Num olhar de senso comum, costuma-se ouvir que somos aquilo onde vivemos. Entendo, por meio do senso crítico, que nossas referências culturais são de importância extrema nas inter-relações humanas, visto o papel agregador que alguns traços culturais exercem nas pessoas. Especialmente pelos agentes que transmitem essas tradições e, no contexto esportivo, as condições de vulnerabilidade apresentadas pelos atletas às constantes transformações. Esse assunto me remete a pensar que somos aquilo com quem nos permitimos contatar.
O papel da mídia – Impressionante e alarmante o rápido crescimento dos meios de comunicação e o papel fundamental que atua nas relações humanas, transformando seus hábitos, atitudes e essencialmente seus relacionamentos pessoais. Nesse caso, a comunicação influencia na avaliação que as pessoas efetuam uma das outras, estabelecendo e construindo o desenvolvimento do autoconceito e da auto-imagem. Esses desenvolvimentos vão nos colocar em desafios constantes e mediaremos com nossos pares, real ou virtualmente, as formas de crescermos juntos.
Por isso dizemos que o elemento psicológico da comunicação reside no relacionamento entre seus interlocutores. A pessoa que emite uma mensagem é a maior responsável pelo efeito dessa ação, pois estará diretamente relacionada com a influência que a mensagem vai exercer nas pessoas que a recebem e como essas pessoas vão codificá-las e interpretá-la. Partindo disto, a comunicação interpessoal exerce influência no desenvolvimento de novos hábitos e condutas apropriadas, na qual a opinião das pessoas tem peso significante na construção de um novo estilo de vida.
Pensando em exemplos, temos que alguns jogadores, ao participarem de campanhas publicitárias, emprestando a sua imagem à marca de um determinado produto, estão contribuindo com o seu poder de influência e convencimento, mudar os hábitos dos consumidores. Sua imagem deve ter credibilidade para isso. Essa imagem positiva se constrói também com alguma estratégia de marketing pessoal, como por exemplo, frequentes visitas às pediatrias dos hospitais, campos de guerra, contribuições financeiras à instituições de assistência social e creches, muito bem acompanhados pela imprensa para registrar aquele momento de solidariedade e altruísmo. Ou ainda, em outras situações, aparecendo em colunas sociais, festas e restaurantes.
Outras situações também ilustram essa mudança de atitude das pessoas em associação com a imagem projetada pelo atleta em colaboração com a mídia. Depois da final da copa do mundo de 2002, era comum as crianças pelo mundo todo imitarem o corte de cabelo usado por Ronaldinho naquela partida. Atualmente, imita-se ao Neymar ou Phelps ou Bruninho. A divulgação das conquistas pessoais das celebridades esportivas fascina e proporciona esperança a todos aqueles que um dia gostariam de ter uma vida semelhante.
A comunicação de massa, integrada pela associação dos jornais diários, do rádio, da televisão e mais recentemente pelos novos veículos eletrônicos, transforma-se em um poderoso aparelho de comunicação que é a mídia. Atualmente é caracterizada como um dos mais influentes instrumentos que interferem nas relações interpessoais; o Instagran e demais meios de mídia fugaz realizam transformações inusitadas, ainda não exploradas a exaustão, no Brasil.
Fator de grande relevância é o papel que a mídia desempenha na construção repentina de ídolos esportivos: a velocidade com que se transforma um desconhecido em personalidade nacional é tão rápida, que em certos casos não são considerados alguns princípios básicos da ética profissional. O assédio da imprensa passa a ser constante, transformando a vida de adolescentes que estavam no anonimato. Comparam jogadores jovens aos astros de cinema, ou então como jogador-galã, conforme matéria publicada com o jogador Kaká (revista Veja, ed. 1773). O poder de interferência da mídia no meio esportivo pode ser percebido, quando as competições obedecem aos horários estipulados pelas emissoras de tv, por exemplo.
O papel da torcida – O atleta enfrenta a pressão exercida pela torcida familiar, sobretudo das pessoas com as quais o adolescente-atleta tem um contato mais intimo e até diário nos casos de jogadores que residem com os pais. A conduta dessa torcida, justamente pela proximidade, em grande parte é exigente e cobra resultados positivos e imediatos, mas ao mesmo tempo age desta forma na intenção de proteger os filhos. O cruel é que o desempenho do atleta está diretamente ligado ao poder de avaliação de uma torcida. A torcida, assim como a imprensa, tem poder e influência de criar e ao mesmo tempo de destruir ídolos.
A relação chamada de triangular, envolvendo o torcedor, o clube e o jogador pode proporcionar uma modelo de conduta fora dos padrões aceitos pela sociedade. As agressões físicas, verbais e psicológicas ocorrem independente de estar associada a um motivo lógico. A violência presente entre os torcedores acontece tanto para comemorar uma vitória ou conquista de título, quanto para pressionar os atletas na busca por melhores resultados ou então para protestar por uma derrota da sua equipe. Em especial levando em consideração o avanço da comunicação via meios fugazes intermediados pelos iphones e smartphones.
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Efetivamente, no momento da competição, alguns atletas relatam que a torcida não interfere na sua atuação, o que difere de outros que acreditam que a torcida pode influenciar no seu rendimento. Interessante ainda é o fato de outros jogadores preferirem jogar diante da torcida adversária, pois acreditam que são mais motivados para jogar quando isso acontece. Nesse caso o efeito da influência dos espectadores no desempenho dos atletas depende do estágio de aprendizagem que ele se encontra. Em um estágio inicial de especialização a presença dos espectadores, de certa forma, pode ser prejudicial, mas com o amadurecimento do atleta, chegando a níveis ótimos de habilidade, a presença do torcedor será favorável ou não terá nenhum efeito.
A ansiedade, a tensão e a excitação do atleta não estão relacionadas apenas com a presença ou não da torcida, mas sim pelo poder de avaliação dos torcedores, que pode modificar o seu desempenho. E as noticias veiculadas pelos celulares conseguem atingir imediatamente todo o mundo plugado no evento; isso acelera o potencial emocional que resultará em comportamentos aversivos ou carinhosos de torcedores. E assim, outro aspecto significativo é a avaliação realizada pelo adversário, nos momentos que antecedem a partida, especialmente durante o aquecimento, ou quando se cruzam no túnel de entrada do campo.
Os atos de avaliação que provocam as interações emocionais entre torcedores e atletas são chamados por Craty de esquemas sócio-psicológicos, portanto qualquer reação da torcida ou do atleta servirá como efeito positivo ou negativo. Por exemplo, quando um jogador consegue com muito esforço fazer uma boa defesa ou então uma excelente jogada que não se concretiza em gol, mas que representa uma recuperação, ergue os braços, conclamando a torcida para apoiar. Essa por sua vez, reage de imediato, gritando o nome da equipe ou entoando cânticos de incentivo; avaliando do ponto de vista em que as mensagens sejam instantâneas, teremos retornos imediatos a cada comportamento atlético, cobrando uma posição imediata da comissão técnica.
As necessidades psicológicas são compensadas por meio de uma relação com outro individuo, quando existe a possibilidade da acolhida, da troca de afeto, sentimento de poder, de proteção, de importância em relação ao outro e de valorização; a formação dos grupos sociais é caracterizada, então, a partir da compensação dessas necessidades psicológicas. A posição, o status e o papel atribuídos a cada integrante serão condições fundamentais para sustentar a formação do grupo e consolidar a existência do mesmo. Essas condições, destinadas a cada indivíduo, desempenharão tarefas especiais para estabelecer uma hierarquia de funções para uma convivência coletiva equilibrada. Essas posições se definirão em função do status de cada participante
O status é definido e recebe avaliação dos demais componentes do grupo, pelas normas, valores e regras sociais e está diretamente relacionado com o nível sócio-econômico, conhecimento, prestígio, reputação, honra, fama, cultura próprio de uma pessoa, que implica uma comparação social. Psicologicamente, o status é uma imagem social que um indivíduo recebe dos membros de um grupo. Dessa forma existe uma graduação para definir, diferenciar a classificação do status atribuído às pessoas, partindo de uma classificação de menor importância para uma de importância mais elevada. E essa relação humana em discussão não se relaciona apenas face-a-face, mas pelas interligações permitidas (e permissivas) da rede mundial de comunicação.
Nesse sentido, os papéis que cada individuo desempenha dentro de um grupo será influenciado pelos objetivos do grupo, por pressões ou condições externas baseados nos valores sociais e na experiência de cada um. Mais ainda: pelo poder de informação que terá junto aos seus seguidores e membros de suas comunidades ou amigos virtuais. Assim, uma mesma pessoa, ao mesmo tempo, poderá desempenhar diferentes papéis dentro de um único grupo, fato que poderá levá-lo a um conflito de papéis, ou interpapéis ou a um conflito intrapapéis.
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O conflito de papéis pode ser percebido quando o técnico de uma equipe tem entre os atletas do grupo, seu próprio filho. Muitas vezes o papel que o pai deve desempenhar na relação com o filho, não é compatível com o papel que, agora, na posição de treinador, ele deverá desempenhar com o filho-atleta. Mesmo os relacionamentos mais íntimos entre treinador e atleta também podem gerar algum desconforto ou configurar-se como conflituosos, na medida em que as atitudes do técnico divergir das expectativas do jogador. Os atletas, ao considerarem o treinador como um bom pai, afetuoso, tolerante, acreditam que poderão se beneficiar, sem levar em conta que pais também são rigorosos e rigor é o limite necessário para um inter-relação ideal. Mesmo que muito disto ocorra virtualmente.
É muito importante olharmos para a formação dos profissionais da Educação Física e da Psicologia porque o uso e aplicação de muitas das invenções tecnológicas da época não podem ficar restritos aos profissionais da mídia ou aos torcedores apenas. Uma indagação que inquieta e perturba é: no viés social, psicológico ou antropológico, como estão formados os profissionais que trabalharão com tais personagens esportivas? Como os atuais e futuros profissionais da área entendem a noção etérea da relação homem-homem? Sobre a possibilidade de vir a questionar seus atletas ou alunos ou pacientes/clientes, uma transformação no seio das comunicações mudou o cenário, o tempo e as relações humanas: a internet e a rede alterou a Vida do Mundo.
Como vimos, nossos atuais profissionais carecem de melhor conhecimento e prática no que diz respeito ao uso da máquina e do homem, quiçá da relação nascida do homem-máquina; acreditamos que tal conhecimento se faz mediante uma contextualização maior e mais profunda da cultura vigente e das buscas pelas oportunidades diferenciadoras, na prática profissional. A liberdade de escolha possibilitará que alguns sejam plenamente identificados com as novas tecnologias e seus usos, enquanto outros permanecerão meros realizadores de rotinas de trabalho, nas clinicas e nas quadras, mas até quando este modelo tradicional existirá?
AFONSO ANTONIO MACHADO
Docente e coordenador do PPG- Desenvolvimento Humano e Tecnologias da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia.