Momentos de muita tensão em todas as áreas do país, com muitas declarações, muitas surpresas e muitas indecisões. No meio de tantos arruma-desarruma, a população clama, implora, mendiga apenas para ser vista ou ouvida, mas, apesar da garantia de que seu clamor não será ignorado, todas as armas apontam para a população, que espera por um milagre ou um arrebatamento…que Armagedom nos leve para qualquer lugar, mas que nos tire daqui.


No palco político as incertezas tomaram conta do espaço, com uma força e um poder nunca antes visto, em especial porque agora vem dissimulado e enfeitado de democracia, de ouvido às bases, de atenção aos desfavorecidos. No entanto a questão básica é: o clima é mesmo democrático? As participações são mesmo claras e direcionadas a resolução de problemas já postos?

Não! claro que não…já fora dito que um ladrão de pasta de dentes apodrece na cadeia, enquanto aquele que consegue desfalque de milhões, associado com outros que foram coniventes e dividiram outros tantos milhões serão ouvidos, defendidos e absolvidos. Usarão tornozeleiras ou ficarão em casa, esperando a pena se findar.

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Obviamente que isso gera outra tensão, cria outro hiato e promove a descrença uma população que já não espera por Justiça, porque não crê mais nisso. A população está mais anestesiada e mais descrente que em tempos anteriores; manifestações e passeatas já são menos utilizadas para protestar, porque o protesto não é ouvido.

Esperança? Nenhuma… É momento dos cultos carismáticos e pentecostais terem seu desenvolvimento, pois a presença de Deus passa a ser a saída e a uma salvação. Esperar pela ajuda dos homens? De quais, se os mais preparados para ajudar a população estão ainda no momento de se auto-ajudar? De onde virá a ajuda, afinal?


Por longo tempo se especulou sobre o fim ou destino daquela maluca que facilitou para que o namorado e irmão dele assassinassem seus pais, na calada da noite. Ela sai de uma penitenciária e vai para uma cadeia feminina no interior do estado de São Paulo, de lá segue para Taubaté, na prisão que abriga outros “famosos”…Isso é dito, desta maneira, pela mídia especializada. Na prisão em que se encontra estão outros famosos: a assassina da filha do marido Nardone, o maníaco do parque, o médico que aparenta monstro, e demais famosos. Muito famosos.

Pois bem, esta jovem assassina de seus pais está traumatizada com a prisão do irmão, na época do desmanche da Cracolândia, a ponto de se sentir desestabilizada emocionalmente (sic) diante do estado que o rapaz se encontra. E tem até ONG e grupos de humanitários que se manifestam a favor dela, no sentido de oferecer guarida ao jovem, hoje doutor pela USP, que se encontra em crise por dores psíquicas e uso de droga.

Além da ONG e dos grupos de apoio, uma parcela da população misturou informações e, diante do quadro exposto, se coloca em marcha a favor de Suzane. Claro fica que o mote da vez é: ela se recuperou. Coitadinha, ela se preocupa com o irmão mais novo. E a pergunta é: de onde virá a ajuda, neste caso, afinal?

Estamos diante de questões com discernimentos ou totalmente desconexas em tempo, moralidade e doença mental? Quem é essa população que apoia essa pobre moça? Padece de que?


Prende Eike Batista, solta Eike Batista, prende Eike Batista. JBS tem culpa, JBS não tem culpa. JBS tem culpa. Lula sabia. Lula não sabia. Lula sabia. Lula nunca sabia. Dilma facilitou. Dilma não sabia, também, que facilitava. Dilma facilitou. Parece que vivemos uma tensão bipolarizada em que temos o sim, numa ponta. E, obviamente, o não na outra.

Mas, novamente, sem ser outra vez, cabe-nos perguntar: todo cidadão brasileiro é ouvido, julgado e criminalizado com esta temperança? Ou para uns todo o direito da dúvida e para outros apenas a lei? Nestes quatro simples, patéticos e infundados exemplos cabe também o clamor do país? Pois o país já clamou. Já chorou. Já implorou. Já mendigou. E mendigará cada vez mais.

No entanto, nada se altera. Tudo continua como dantes em terras de Abrantes. A impressão que se tem é que vivemos num território que apresenta dois tipos de população e dois tipos de propostas de vida: a que trabalha e tem deveres. E aquela que tem direitos. Que tudo pode. Que nada atinge. A primeira delas, aquela que trabalha, precisa de quase meio ano de seu rendimento para pagar impostos. A outra precisa de mais tempo para usufruir da liberdade de gastar e de acumular fortuna.

A que trabalha, e muito, clama demais. Faz passeatas, grita, implora e vai para a cadeia com pancadas e tiros de balas de borracha. A outra vai para paraísos fiscais e, se for localizada, ainda terá possibilidade de milhares de recursos para se defender. Claro que defender-se em liberdade.

O clamor das ruas continua e as pessoas continuam crendo em sua força e sua função política. Os outros, os do segundo grupo, continuam tendo ojeriza a pobre e distancia do povo que o sustenta. Apesar dos clamores serem cada vez mais barulhentos.


Diminuem as bolsas de estudos oferecidas pelas agencias de fomento. Termina o “Ciências sem Fronteiras” e não se verifica edição de outras propostas que levem brasileiros para aperfeiçoamento ou treinamento no exterior. Fala-se de gastos infinitos e de retornos não perceptíveis. Comenta-se do sucateamento das universidades públicas ao mesmo tempo em que se vislumbram discursos consolidados de governadores que mapeiam o fim do ensino superior publico, como se universidades fossem mercadorias.

Vemos passeatas, tomadas de reitorias, secretarias de educação são atacadas, muita discussão, muitos planos e poucas decisões claras e objetivas. Muita especulação e muito sonho; saudosismos e visões alucinadas se apresentam como solução para a proposta do momento de crise.

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Alunos, associações docentes, pais, igreja clama em passeio mudo e compacto. Clamor nunca ouvido, mas desta vez…sim, desta vez será ouvido. Governantes estarão atentos aos pedidos, novos estudos orçamentários serão apresentados, propostas mais efetivas serão enunciadas. Os universitários serão atendidos desta vez.

Aguardemos. Não sabemos quando isso acontecerá, mas ensinam-nos a não perder a esperança. E o sabe se transforma e crença. E, obvio, nada nunca acontecerá.


Por fim e não finalmente, o presidente falou. Não, ele não falou. Sim, ele falou. Não, ele não falou. A gravação é adulterada. Não, a gravação não é adulterada. O dilema se põe e a solução nunca é adequada ou verossímil. Nem as crianças da creche acreditam em mais nada. Mas elas também clamam. Clamam por melhores cuidadores, melhores professores, melhores locais e melhores merendas.

Nada muda porque nada nunca mudará. Mas o presidente não falou, não gravou, não errou, não traiu e nem cometeu deslize. Tudo não passa de acusações vazias. E o povo esta sendo ludibriado. Não adianta clamar porque não se justifica, visto que vivemos numa calmaria e num estado de produtividade nunca visto.

Estamos quase sendo comparados à Suíça ou Dinamarca. Quem sabe Finlândia. Fome zero, crime zero, segurança total e educação ímpar. Nada nos amedronta e não há razões para clamor. Por que sair às ruas se estamos no melhor de nossa formatação democrática?

Não há motivos para ansiedade nem depressão: estamos bem. O rendimento interno bruto cresce e conseguimos erradicar a pobreza. O país vai bem. Para que clamar? Quando leio que o clamor das ruas será ouvido, fico até aborrecido…inútil, não clame não…estamos bem. Nada nos falta. Porque o que nos falta chama-se dignidade e esta, uma vez perdida, nunca mais se recupera.


O brasileiro não merece isso. Não…não merece mesmo. (foto acima: marlonebanda.blogspot.com.br)


CLAMORAFONSO ANTÔNIO MACHADO

É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduando em Psicologia, editor-chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.