Tropas brasileiras estão sendo empregadas numa missão de paz no Haiti desde 2004, país com cerca de mais de 10 milhões de pessoas, segundo últimos dados da ONU-2011. Tal missão objetiva a estabilização da ordem pública naquele país que se encontra conturbado pelas instabilidades sócio econômicas, religiosas e principalmente políticas, uma guerra civil, além de problemas ambientais decorrentes de catástrofes climáticas e outras situações que têm gerado enorme prejuízos na área da segurança pública no país caribenho. A Organização das Nações Unidas é que mantem a coordenação dos trabalhos, dentro de uma colaboração internacional entre países, do qual o Brasil faz parte. Chegou-se a empregar mais de 1.300 militares integrantes das Forças Armadas e Policias Militares brasileiras, devendo esse contingente ser retirado em 2017, segundo manifestações do Ministério da Defesa e Itamaraty. Conforme relatos e avaliações da ONU estão sendo obtidos alguns resultados em algumas áreas de atuação, como abastecimento, transporte, saúde e até na área de segurança pública, enfim, o país se reestrutura aos poucos e acredita-se numa melhora no cenário interno para o bem daquela população sofrida. Os militares brasileiros atuam de forma a garantir a ordem e paz pública através do policiamento ostensivo nas vias públicas, além de algumas ações sociais e de inteligência, integradas com agentes do governo local. Tal atividade se enquadra nas ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), não podendo ser perene, ainda que em país estrangeiro.
No Brasil, as tropas federais têm sido empregadas em atividades de segurança pública nos estados federados, sempre que alguma situação ou motivação seja invocada pelos governadores desses Estados e do Distrito Federal. A previsão consta desde as primeiras constituições federais e na atual de 1988, no seu artigo 142, quando dispõe: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Essas medidas atendem o chamado “Pacto Federativo”, quando o presidente da República somente envia os militares aos estados, se solicitado pelos chefes dos poderes executivos daquelas Unidades Federativas, devendo esse emprego de tropa ser temporário, por prazo determinado, uma vez que propiciar segurança pública é dever e responsabilidade dos Estados, nos exatos termos do que dispõe o artigo 144 da Carta Magna.
A questão é polemica pois que em decorrência do efetivo emprego de tropa federal em atividade que na sua essência seria dever do estado, rende inúmeros questionamentos quanto as infinidades de situações que podem decorrer das ações de policiamento ostensivo federal nas ruas, considerando o fato de que os militares são treinados para combates numa guerra (externa) e não nos chamados distúrbios civis (internos). Também surgem dúvidas quanto a aplicação nos casos concretos do chamado crime militar e o crime comum, naquelas situações envolvendo militares em enfrentamentos com morte, se aplica ou não a Súmula nº 172 do STJ “compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço” ou as regras do art. 9º do Código Penal Militar, entre outros questionamentos jurídicos.
A lei dispõe que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem pública somente será possível de forma episódica, ou seja, havendo motivação material para o emprego da tropa e solicitação do estado interessado, esta somente atuará enquanto aquele fator de insegurança estadual se prostrar no tempo e no espaço. Assim, enquanto persistirem os atos de insurgência criminal em determinada região do país, ali poderá estar a tropa federal, mas a lei não dispõe quais providencias seriam adotadas caso a situação de grave perigo a ordem pública se mantenha no tempo.
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Buscando legitimar a atuação das forças armadas no serviço das policias militares, nos estados federados e mais recentemente no Espírito Santo e Rio de Janeiro, foi editado pelo Ministério da Defesa, a Portaria nº 3.461 de 19 de dezembro de 2013, atualizada e reeditada em 2014, dispondo sobre a publicação de um “manual” intitulado como Garantia da Lei e da Ordem, cujo anexo traz toda a regulamentação de como deverá ser o trabalho da tropa federal na execução de sua missão nos ambientes de conflitos registrados nos estados.(Publicado no D.O.U. nº 247 de 20 de dezembro de 2013.). Além da previsão constitucional, a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, alterada pela Lei Complementar nº 117, de 2 de setembro de 2004 e Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego de efetivo das Forças Armadas em casos de grave insegurança nos estados, após declaração e manifestação de ajuda dos governadores endereçadas ao presidente da República. Essa lei é regulamentada pelo Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, o qual fixa algumas diretrizes mais específicas para o emprego dos militares na missão de garantia da lei e da ordem, como o desenvolvimento de ações de polícia ostensiva, de natureza preventiva ou mesmo repressiva, ações essas de competência constitucional e legal das Polícias Militares, ou seja, somente as policias estaduais detém essa competência e a União, excepcionalmente, em alguns casos, que não os de intervenção previsto no art. 34 da CF, ou casos de estado de defesa do art. 136 e nos casos mais graves de estado de sitio, previsto no art. 137, todos da Constituição Federal. A regra é que a União não deve intervir nos estados, exceto para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública, garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da Federação, ou no estado de defesa para preservar ou restabelecer em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social, ameaçados por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidade pública de grandes proporções na natureza, ou ainda nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o Estado de Defesa, como nos casos de estado de sítio.
No documentário “Notícias de uma guerra particular no Rio de Janeiro” (João Moreira Salles e Katia Lund. 1997-1998), já trazia uma ideia do quadro de insegurança que se encontrava o estado, pois que já estava havia instalada situação de descontrole da atividade criminosa, principalmente o tráfico de drogas, que por si só passou a financiar demais atividades criminosas no estado e no país. Quase duas décadas se passaram e a situação só se agravou, não só por lá como por aqui, tanto que hoje a população aplaude a atuação das tropas federais no policiamento ostensivo das cidades do Rio de Janeiro e Vitória no Espírito Santo, face a crescente sensação de insegurança que se alastra no cotidiano de todos. Nos demais estados brasileiros, a situação não difere muito desse quadro e haja força de segurança nacional e tropas federais para ajudar as policias estaduais.
A segurança pública sempre esteve entre as três primeiras reivindicações da população, concorrendo com a saúde e educação, porém se não for tratada com responsabilidade, seriedade, acuidade que merece, o quadro da insegurança se mostra cada vez mais caótico. O Haiti não pode ser aqui.
JOSÉ ROBERTO FERRAZ
Ex-comandante da Guarda Municipal de Jundiaí; delegado aposentado da Polícia Civil; especialista e professor de Direito Ambiental.