O DIVINO e o Estado brasileiro

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Essa é a história do Divino, piloteiro que me levou para conhecer o pantanal. E sua história fala do Estado brasileiro. Foi Divino em pessoa quem me contou:

-Em 1974, morava às margens do Rio Paraguai e o pantanal foi alagado. O pai perdeu tudo. É duro isso. Não tínhamos nada e perdemos tudo. As águas levaram a casa, os móveis e as plantações. Os animais morreram. O pai salvou um tanto de mandioca e um porco. Pegamos esse pouco e partimos dali. O pai, a mãe e os vinte e dois filhos embarcamos num ‘puc-puc’com o qual navegamos até a Bolívia. Era o único lugar seco na região. Ali, esperaríamos as águas baixarem. Eu tinha quatro anos. Passou-se um mês, outro mês e mais outro. Só seis meses depois a chuva começou a arrefecer. E a comida não durou esse tempo. A mandioca acabou e o porco morreu. Não havia mais nada. 

– Você passou fome, Divino?

– Passei fome e aprendi a comer o que tem. Numa noite, o pai saiu pra caçar e pegou uma capivara. Por algum tempo, nós comemos só capivara. Era capivara com capivara. Não havia mais nada. Na época da grande cheia, não havia ajuda do governo. Os militares – que estavam no poder – só pensavam neles mesmos e os ribeirinhos tinham que se virar para não morrer. Tivemos fome até que chegou um mascate que nos deu alimentos. O pai, em troca, pagaria com peixes. No dia em que o mascate apareceu, o pai conseguiu arroz, feijão, óleo e sal. E um saco de balas. Cada filho ganhou três e as chupei muito devagarinho! Como eram boas aquelas balas! Com o sal, o pai conseguiu fazer charque e foi armazenando carne”. 

– Divino, deixa eu perguntar, o que é o “puc-puc” que você tinha falado? 

-Ah… puc-puc é um barquinho que faz “puc-puc”… Mas continuando…  Um dia, o pai nos chamou e anunciou que iríamos embora. Subimos no ‘puc-puc’ e fomos para Corumbá. 

– Como era Corumbá naquela época? 

-Já era cidade grande! Chegando lá, a mãe levou a gente numa mercearia e pediu um pouco de manteiga. Era manteiga aviação! O dono da mercearia pegou uma lata, cortou um pedaço e embrulhou num papel. E junto veio um pão que parecia uma bengala. Foi a primeira vez que eu comi pão! Nunca havia comido algo tão bom! Aquela foi a melhor manteiga que eu já comi! Mas como a gente iria se virar na cidade? Não tínhamos onde ficar e então resolvemos morar em um prédio. Nós e 40 outras famílias. Era uma invasão. Não havia outro lugar. Fiquei lá, com minha família, até os meus treze anos; aí fui morar sozinho. O pai era bravo demais e não tinha como morar junto. Mas nunca o abandonei. Eu o visitava quando podia.

– E você fazia o quê pra viver?

-Eu fazia de tudo.

– Chegou a furtar pra comer? Porque, Divino, se você fez isso, eu jamais o recriminaria. Ninguém pode julgar alguém que tem fome.

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-Não, isso não. O pai ensinou que não pode pegar o que é dos outros. Eu pegava comida no lixo, mas dos outros eu nunca peguei.

– E como você se tornou o chefe dos piloteiros?

-Eu gosto de gente. Eu conheço gente. E vi logo cedo que o governo não está nem aí pra você. Eles querem dinheiro só pra família deles”.

– Sabe Divino, sua história me fez lembrar de uma frase que o ex-Presidente Fernando Henrique disse uma vez: “o Brasil não é um país pobre, é um país injusto”.

-É doutor. Talvez seja isso aí”.(Foto: Pikist)

FILIPE LEVADA

É juiz de Direito

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