Noticiou-se, esses dias, que a Municipalidade de Jundiaí, em parceria com a Polícia Civil, conduziu diversas pessoas em situação de rua para uma delegacia de polícia a pretexto de trazer segurança à população. Elas foram colocadas em um ônibus e levadas para solo policial. De acordo com a imprensa local, ao menos 32 pessoas foram conduzidas pelos agentes da lei e depois submetidas a averiguação. De tais pessoas, um total de ZERO delas possuía pendências com o Poder Judiciário. Ou seja, foram abordadas arbitrariamente e tiveram restringido o direito fundamental de ir e vir pelo tão-só fato de aparentarem (aos olhos de quem as viu) um perigo à população.
Para conferir algum ar de legitimidade à medida, afirmou-se que a operação foi acompanhada por assistentes sociais. No entanto, o caráter policialesco não pôde ser disfarçado. No site da Prefeitura de Jundiaí, lia-se: “A ação policial aconteceu na região onde há concentração de usuários de drogas,com o objetivo de verificar a situação dessas pessoas e restabelecer a ordem pública no bairro”. Uma clara afronta ao direito de ir e vir.
O artigo 5º, inciso XV, da Constituição Federal garante a todos, indistintamente, que “é livre a locomoção no território nacional em tempos de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Em outras palavras, ninguém pode ser impedido de se locomover ou de permanecer onde está a menos que se esteja em estado de guerra ou diante de ilícito. Não era o caso.
Aquelas pessoas foram levadas para uma Delegacia de Polícia, de forma evidentemente não espontânea, porque sua existência incomodou os detentores do poder – que deveriam exercê-lo para reafirmar direitos e não para discriminar quem é digno, ou não, dos direitos fundamentais; todos são, evidentemente, por sua simples condição de humano. Trataram o espaço público como o quintal de um Imperador – que evidentemente não é.
O episódio, porém, teve um bom final. Os valorosos Defensores Públicos da Comarca de Jundiaí, ao tomarem conhecimento do fato, impetraram um habeas corpus coletivo para que as coisas fossem postas em seu devido lugar (o qual pode ser acessado no site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo). Ao receber o pedido, por sua vez, o Poder Judiciário concedeu salvo-conduto a todos os cidadãos em situação de rua, restaurando-lhes o direito de ocupar um espaço no mundo.
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Conta-se que no século XVIII, na Prússia, Frederico II tentou ocupar um moinho porque este, a seu ver, prejudicava a paisagem. Como um bom déspota, investiu arbitrariamente contra o moleiro a fim de desapropriá-lo à força. Este, contudo, resistiu e se recusou a tirar o moinho de lá, causando a ira Frederico II. O tirano, então, indagou ao moleiro por qual fundamento iria permanecer ali, ao que o moleiro respondeu: “porque ainda há Juízes em Berlim”.
Aqui podemos também dizer: ainda há Juízes no Brasil, e, com o auxílio de Defensores, Advogados e Promotores, arbitrariedades não passarão e jamais o Brasil será o quintal de ninguém.

FILIPE LEVADA
É juiz de Direito
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