Ouço muito, a respeito de minha função, a frase “eu nunca faria isso, pois jamais conseguiria julgar alguém”. Em resposta, eu invariavelmente digo que também não julgo ninguém. Como juiz, julgo fatos, não pessoas – algo que sempre ouvi do pai e que o vi praticar em vida.
Eu devia ter 10 anos de idade e caminhava pela Avenida Dr. Cavalcanti quando nos deparamos com um homem caído no chão. Ele aparentava ter bebido demais e se deitou ali mesmo, no caminho, com o corpo na calçada e a cabeça próxima ao meio fio, onde os ônibus estacionavam.
Lembro, com alguma vergonha, que teria só desviado e seguido viagem. Contudo, meu pai parou, colocou o homem nos ombros e o levou até uma árvore, onde o deixou descansando na sombra. Tenho nítida a imagem do pai andando sobre um gramado com o homem nas costas.
Confesso que não compreendi o que ele havia feito e questionei:
– Pai, por qual razão você carregou aquele homem? Era só um bêbado!
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Ao que ele respondeu, bastante bravo:
– Nós não sabemos por que ele bebeu. Ninguém chega nessa situação porque quer. Não nos cabe julgar.
Meu pai foi o melhor juiz que conheci. Não sabemos por que aquele homem bebeu. Tínhamos o dever de ajudá-lo por sua tão-só condição de humano. Sem juízo de valor.
Trinta anos depois, vejo-me diariamente, como juiz, diante de réus os mais variados – e, como juiz, com a obrigação de aplicar uma pena proporcional ao ato que praticaram. Mas não por julgá-los, como pessoa – apenas para cumprir a função de dar a cada um o que é seu. Como o pai tentou ensinar.(Foto: Freepik)

FILIPE LEVADA
É juiz de Direito
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