O ovo da SERPENTE

A expressão o ovo da serpente é comumente utilizado para tratar da ascensão do nazismo na Alemanha do início do século XX. Nos anos 20, o ovo de serpente passou a ser chocado com ideais fascistas que alastraram-se pela Alemanha de forma rápida, sem que muitas pessoas percebessem isso. Esse ovo eclodiu nos anos 30 quando o Partido Nazista tomou o Poder e o seu líder, Adolf Hitler, foi nomeado Chanceler da Alemanha. A partir daí, a serpente do ódio transitou impunemente pela Europa, e o restante da História todos nós conhecemos.

A pergunta que não quer calar é: estaria o Brasil chocando o seu ovo da serpente?

Pelo que se observa com muita clareza desde as manifestações de 2013, passando pela quase total inclusão digital e ascensão das redes sociais, pela irresponsabilidade da grande mídia e de representantes dos poderes públicos, a resposta parece óbvia: sim, o Brasil não apenas chocou o ovo da serpente, como deixou que ela nascesse.

Exemplos de um ódio crescente no País não faltam para ilustrar o alegado. Podemos começar com o ocorrido aqui mesmo em Jundiaí quando, na primeira manifestação a favor do impeachment, dois bonecos, representando a presidenta Dilma e o ex-presidente Lula, foram enforcados no viaduto da Avenida Jundiaí.

Ao arrepio da Constituição Federal, pessoas pedem linchamentos e assassinatos sumários de pessoas acusadas de cometerem crimes, (inclusive âncoras de jornais televisivos em horário nobre), incitam a violência contra aqueles que destoam da normatividade social, como LGBTs, e contra aqueles que lutam para que os direitos humanos sejam respeitados.

Um político, que está há mais de duas décadas no legislativo federal sem produzir absolutamente nada de útil e que apenas esbraveja seu ódio para quem quiser ouvir, foi alçado à condição de “mito” e concorrerá ao cargo de presidente da república com a promessa de armar as pessoas para que elas façam “justiça” com as próprias mãos.

Artistas são atacados e jurados de morte por exercerem o trabalho de promover a arte. Uma filosofa, respeitada no mundo inteiro, foi hostilizada em eventos aqui no Brasil aos gritos de “queimem a bruxa!” e atacada no aeroporto antes de ir embora do País, certamente para nunca mais voltar. (E que pessoa voltaria para um lugar que retrocedeu para a incivilidade?)

Grupos reacionários, de forma oportunista, emergiram das manifestações de 2013 para se colocarem como “paladinos da Justiça e contra a corrupção”, quando na realidade manipulam jovens alienados para odiarem as pessoas com ideologia mais a esquerda. E para atingirem seus objetivos, abusam da fake news (notícias falsas).

O Brasil é o país das Américas onde mais se mata defensores dos direitos humanos, segundo um relatório da Anistia Internacional divulgado em fevereiro de 2018.

Em meados de março de 2018, enquanto o mundo acorda estarrecido com a notícia dos brutais assassinatos da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco e do seu motorista Anderson Gomes, fascistas no Brasil (incluindo um deputado federal e uma desembargadora), fazem uma força-tarefa para debochar das mortes e difamar Marielle reconhecidamente defensora de direitos humanos.

Há poucos dias, fascistas se organizaram pelo WhatsApp e armaram uma emboscada contra o ex-presidente Lula na Região Sul do Pais, jogando pedras e  ovos contra a caravana e registrando tudo “orgulhosamente” nas redes sociais. Essa barbárie culminou com uma tentativa de homicídio, quando três tiros foram disparados contra o veículo que levava Lula, jornalistas e outras pessoas.

Uma senadora da República, sem qualquer pudor, aparece em um vídeo aplaudindo essa violência e parabenizando seus autores.

Diante do exposto acima e diante de outros exemplos que temos visto ao longo destes cinco anos, parece não haver mais sentido em discutirmos sobre os riscos de uma eclosão fascista; isso porque a serpente já nasceu e circula impunemente entre nós.

E o fascismo visto no Brasil é aquele mais rasteiro, praticado cotidiana e escancaradamente por pessoas que, de forma hipócrita e demagoga, se autointitulam “cidadãs de bem”, “defensoras da família, da moral e dos bons costumes”. Essas pessoas, na realidade, defendem apenas a repressão e o silenciamento daqueles que não compactuam dos seus entendimentos deturpados de “justiça”.

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Trata-se de um fascismo naturalizado por gente que adere aos discursos de ódio sem qualquer reflexão sobre as consequências de suas falas ou atos e sem nenhum medo de punição. É a “banalidade do mal” tratada por Hannah Arendt.

Enfim, já não vivemos mais uma época de civilidade. O tempo agora é de ódio, que vai de ataques físicos a progressistas e minorias, a ofensas gratuitas ao “politicamente correto”.

Para aqueles que querem um País livre desse fascismo, não há mais como ficar em cima de muro vendo nossa sociedade afundar na lama da insanidade, do primitivismo e  da arrogância de pessoas que se acham superioras a outras. Mais do que nunca é necessário resistir e lutar contra este atual cenário.

De que forma? Primeiramente com a intransigente defesa da Constituição Federal e do Estado Democrático de Direito.  A nossa Carta Maior é o norte a nos conduzir de volta a Democracia, com a defesa da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com o combate a todo tipo de preconceito (art. 3º, IV), com o respeito aos direitos humanos (art. 4º), ao princípio da igualdade (art. 5º, caput), com o repúdio à tortura (art. 5º, III), com a defesa do princípio da presunção da inocência (art. 5º, LVII), dos princípios da liberdade de ensino e do pluralismo de ideias (art. 206, II e III), dentre tantas outras garantias constitucionais.

Outra forma de barrar esse fascismo é lutar por uma educação de qualidade, que ensine desde cedo as nossas crianças a exercerem a sua cidadania, que implica em reconhecer não apenas os seus direitos, mas também os seus deveres, sendo, um deles, o respeito ao outro.

Não podemos esquecer também da necessidade de uma maior consciência política, fazendo dos nossos títulos de eleitor instrumentos para eleger apenas as pessoas comprometidas com o respeito aos Direitos Humanos e com a Constituição Federal; evitando, por consequência, que os fascistas ascendam aos espaços de poder.

Por último, quero deixar um pedido. Lembram-se da citação da Alemanha Nazista, no início deste artigo? Pois bem. Peço que leiam a história desse País, no período que compreende a década de 20, até meados da década de 40. Vocês irão perceber, assim como eu percebi, que não foi o grito dos maus que causou o maior genocídio da humanidade, mas, sim, o silêncio das pessoas de boa-fé.


ROSE GOUVÊA

É advogada, militante feminista e LGBT de Jundiaí