Daí, quando damos conta da Vida, percebemos que estamos no automático faz um longo tempo. E, em se tratando de Vida, toda a vez em que o piloto dormir é uma pane grave, uma grande perda. Não temos tempo para descuidos nem para distrações, visto que só a temos aqui e agora e um vacilo pode nos trazer arrependimentos profundos e incorrigíveis. Serão murmúrios, lamentações, preocupações que nos atormentarão. Afinal, o piloto dormiu…
Mas do que estamos falando? Quem é esse piloto e onde ele está? Será um carro, um avião? Um drone, talvez? Não, nada disto. Trata-se de algo de uma importância suprema e de real grandeza, quando damos valor à nossa existência. Pode acontecer de termos esta consciência em idades mais avançadas, o que se configura numa situação rotineira e lamentável, porque já se perdeu muito tempo para tomarmos melhores atitudes. E por que não acontece com os jovens? Porque estes têm pressa de viver e não se prendem em pensamentos e elaborações mentais mais elaboradas.
O fato de serem imediatistas faz com que executem e depois pensem na ação já realizada, o que nem sempre é uma boa opção, entretanto a História da Humanidade tem nos mostrado que algo se salva e algo nunca será revertido para uma ação proveitosa, portanto…mas afinal, de quem estamos falando? Quem é esse piloto que dormiu?
Poderia elencar inúmeras histórias, mas vou lançar mão de poucas, mas fortes suficientes para ilustrar a crônica. Analisemos o caso de um aluno em final de ensino médio, sem uma definição exata de sua continuidade escolar. Vai prestar vestibular? Em qual área? Tenta faculdades públicas ou apenas privadas? Busca carreiras tradicionais ou analisa as mais recentes e inovadoras? Com quem conversar nesta hora difícil e como resolver? O piloto dormente, acorda no meio da tempestade sem saber ao certo onde aterrissar. Nem ao menos que conduta tomar!!! Nosso cérebro entra em pânico e espana, como a mais perfeita máquina faria.
Afinal, este piloto preciso e pontual também necessidade de encaminhamentos, informações, tendências e opiniões para poder se dirigir adequadamente ao seu destino, seja ele qual for, diante desta escolha. Sim, ele tem a percepção da seriedade da escolha e não é dos que gostam de falhar; fica buscando detalhes e resquícios de informações para sinalizar com perfeita adequação, respondendo à demanda imposta.
Numa outra função de grande importância e de peso semelhante e muito comum, temos as escolhas de nossos amigos e/ou pares afetivos. Iniciamos um relacionamento com todas as cautelas (ou não!!!) e vamos tateando o terreno acaloradamente, como quem nunca teve um parceiro ou alguém com quem travasse propostas de uma vida (ou parte dela). Tal encantamento vai se desenrolando conforme nossa intencionalidade, com momentos de muita tensão e outros de muita calmaria.
Mas, sempre temos aquele estalo, também conhecido por intuição, que puxa nossas rédeas, fazendo com que fiquemos atentos e observemos detalhes, detalhes são muito importantes e oportunos, nestes casos: algo está nos agradando muito, algo está indo rápido demais, algo não atinge nosso perfil, algo é insuportável. Mas cadê o piloto? Onde ele se meteu que não nos ajuda a mapear o que de mais estranho possa estar a acontecer? Será que o piloto dormiu, justo agora?
Pois é, o piloto pode estar dormindo, mas deixou um mapa avivado em nossa trilha, que nos permite ler o terreno: a intuição. Aliás este mapa é muito avivado, muito nítido, entretanto é um dos que fazemos questão de ignorar, das mais simples questões até as mais complexas que demandam muito raciocínio lógico e muita inteligência emocional. Por que é assim? Porque preferimos ter o piloto dormindo e fazer nossas escolhas equivocadas e sem estruturas para termos do que lamentar maldizer, afinal a vitimização está em moda e confere um grau de comiseração que vai bem numa relação.
Sim, o piloto dormiu porque cansou de explicar a rota, os desvios, os atalhos, as formas de decolagem e aterrisagem, mas nossa impaciência e agitação não permitiu uma análise e uma escolha que fosse compatível com nossa necessidade: tínhamos pressa e aceitamos o que apareceu, com toda a sinalização recebida. E, daí então, ficaremos reclamando e lamuriando pelos cantos, culpando nossa “razão” ou nosso pobre coração. Mas o piloto advertiu.
E quando o piloto dorme no meio daquela crise de ansiedade, que buscamos saciar ou passeando no shopping (passeando???) ou revisitando os sites de venda, em nosso smartphone? Será que nossos olhos e nossos dedos não conseguem se controlar diante do desnecessário? Nossa gula consumista não se rende diante das mensagens anteriores, dadas pelo piloto de se cansou e resolveu dormir? Nosso cérebro também se cansa de sinalizar, informar, direcionar, sugerir, entretanto nossa teimosia e gula pelo desnecessário é maior e acabamos sucumbindo diante da mercadoria. O piloto não dormiu, ele está atento, mas nossa ansiedade é mais forte e comando nossa vontade. Triste piloto…
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COMO É GOSTOSO SENTIR-SE SURPRESO
Nosso cérebro é o tão querido piloto que, em algumas circunstâncias, pensamos que dormiu; em sua forma mais silenciosa ele está em estado de alerta, sempre atento e sutilmente propondo saídas para as ciladas. Quando não está gritando com nossa atenção seletiva, para não cairmos em vacilos que irão ser danosos, porém nossa teimosia e arrogância não nos permite ser sensatos: damos um tranquilizante e pomos o piloto para dormir. Não aceitamos palpites.
E, assim, bem capengando, seguimos a Vida. Alguns momentos bem tranquila, outros bem desesperadores por perdermos o discernimento e juízo, já que o piloto dormiu ou nos alertou e preferimos seguir nossas escolhas e ver onde vamos parar, sempre alertando que sabemos que cada escolha tem sua consequência. E seguimos, com nosso piloto de estimação em estado letárgico, mas vivo e atento, vigilante, como todo bom e bem estruturado piloto. Vamos prestar mais atenção nele e faremos uma aterrisagem perfeita.(Foto: ‘Apertem o Cinto, o Piloto Sumiu’/1980)

AFONSO ANTÔNIO MACHADO
É docente e coordenador do LEPESPE, Laboratório de Estudos e Pesquisas em Psicologia do Esporte, da UNESP. Leciona na Faculdade de Psicologia UNIANCHIETA. Mestre e Doutor pela UNICAMP, livre docente em Psicologia do Esporte, pela UNESP, graduado em Psicologia, editor chefe do Brazilian Journal of Sport Psychology.
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