Como vai a CULTURA SHOPPING?

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O primeiro shopping no Brasil foi inaugurado na década de 60, em São Paulo. Mas até chegarem outros e os cidadãos começarem a preferir os espaços fechados aos espaços abertos, levou ainda um bom tempo. A migração foi paulatina, conforme os shoppings foram se multiplicando, abrindo acesso às camadas menos elitizadas e ampliando a oferta de serviços públicos. Lembro que nos anos 80, em determinados shoppings, era comum seguranças abordarem pessoas que levantassem suspeita pela forma que estavam trajadas ou que olhavam para as vitrines. Afinal, a força daquela migração inicial se deu pelo marketing apoiado na justificativa de segurança. A segurança que consumidores das camadas A e B não sentiam ao transitar pelas calçadas e calçadões das cidades. Fato, o conceito segurança não mudou, continua sendo o carro-chefe dos espaços privados. Mas a popularização desse espaço privado levou a uma flexibilização no modus operandi da segurança. Constranger alguém, numa abordagem feita por julgamento da aparência, não é mais o procedimento, aqui uma justa evolução, apesar de se ter notícia, vez ou outra, de casos pontuais alegados como abusos de autoridade. E para descrever um pouco como vai a “cultura shopping”, estas linhas terão um toque bastante pessoal, de experiência própria.

Era o ano de 1986, Jundiaí ainda não tinha shopping. O Paineiras foi inaugurado dois anos depois. Era comum muitos jundiaienses “excursionarem” aos shoppings da capital ou de Campinas. Naquele ano fiz uma excursão com amigos associados de meu clube para o Museu CMTC. Depois do circuito cultural no museu, paramos no Center Norte, que era o mais próximo. Todos gostaram. Shopping Centers eram (e não deixaram de ser) atrativos, principalmente para as camadas intermediárias e populares, que continuam a frequentar as ruas, as calçadas e calçadões, não têm aquela preocupação prioritária ou histérica com o fator segurança. Consumo atrai todo ser humano, porque todos precisam consumir (mas não necessariamente virar consumista). E templos do consumo, como também são chamados de uma forma, digamos, pejorativa, os shoppings, exigem ordem, limpeza e beleza. E na beleza, entra a criatividade dos comerciantes, daqueles que ali estão na inevitável concorrência. Assim, esses espaços que poderiam estressar, até causar claustrofobia em determinadas pessoas, pelo contrário, conseguem sim ser agradáveis. Letreiros, vitrines, sucessivos pelos corredores, não cansam o público, seja aquele que vai para consumir, seja aquele que vai simplesmente para passear, sonhar com o consumo. E esse efeito coletivo no decorrer dos anos sutilmente contribuiu para uma mudança na paisagem central de muitas cidades, principalmente as grandes e médias. Mudança essa que, se gestores não usaram o jogo de cintura e o diálogo com moradores e comerciantes, foi para pior.

O primeiro grande impacto sentido nessas cidades maiores, foi a migração de todas as salas de cinema para os shoppings. Mas não podemos afirmar que “foi culpa da ‘cultura shopping’ ou dos proprietários dessas salas”. O X da questão está no citado acima; como foi feito o jogo de cintura e diálogo dos gestores nesse período, na busca pelo equilíbrio no panorama urbano, na cultura local, criando no seio da população uma distribuição uniforme entre os espaços abertos e o novo atrativo dos fechados. Ora, se nos espaços privados havia uma união criativa e bastante técnica para chamar a população, o mesmo não se verificou da parte de muitas prefeituras, que ficaram de braços cruzados, assistindo as regiões centrais entrarem em decadência, prejudicando até mesmo os que mantêm seus negócios ali, principalmente do chamado comércio popular e alguns tradicionais, que continuam apostando no público fiel e numa revitalização desses espaços abertos centrais, revitalizações que chegam parcialmente ou continuam em meras promessas. Em alguns municípios houve investimento em recuperação das áreas centrais, reforma de praças, câmeras de monitoramento… mas um grande desafio ainda não foi superado, a questão social, o aumento significativo da população em situação de rua, os pedintes, aqueles que se abrigam embaixo de marquises ou invadem imóveis vazios, à espera de compradores ou locação.

É explícita essa realidade. Muito mais que o fator segurança, os shoppings criaram uma visão urbana paradisíaca. Pode soar absurdo isto, mas é o efeito psicológico nas massas. Nestes espaços privados não se vê lixo pelas vias de circulação. Não se vê pichação ou fachadas desgastadas, necessitando de reparos ou pintura. Tudo ali é perfeito, alinhado. Logo, a cultura shopping pode ser resumida àquilo que todos buscam, que é muito mais que o consumismo ou a segurança.É o que é belo, o chique, algo que muitas e muitas pessoas não veem em seus bairros, onde moram, e muitas vezes nem em suas próprias residências. Portanto, a cultura shopping não pode ser atribuída somente ao poder do marketing ao consumo ou ao consumismo. Tem e muito o efeito desequilíbrio na administração das cidades, na administração do espaço urbano e principalmente do diálogo entre poder público e empresarial. Sim, os empresários querem também os espaços abertos. Mas como estão esses espaços abertos?

Retornando à minha experiência desde aqueles anos 80, sim, cheguei a frequentar shoppings, mas não me apeguei porque sempre tive os olhos voltados para as ruas. Para a geografia urbana, como as cidades estavam se transformando, como estavam sendo cuidadas pelos munícipes e gestores. Consumismo sempre passei longe, e como consumidor, sempre fui também desapegado, só comprando o básico, aquilo que fosse necessário no momento. Tanto que no final dos anos 90, num serviço ocasional que prestei, levando de carro uma família a Piracicaba semanalmente, passei a almoçar no restaurante de um shopping. Mas só entrava no shopping para isto. Não ficava passeando pelo shopping. Enquanto aguardava o horário da família para o retorno a Jundiaí, eu circulava a pé ou de carro pela cidade, observando os detalhes de Piracicaba. Na capital, acreditem… além do Center Norte, visitei somente o Shopping Metrô Itaquera, quando inaugurou seu cinema. Desconheço todos os outros, no entanto, conheço ruas, avenidas e bairros de São Paulo. Hoje muitas pessoas só conseguem se locomover com um GPS no carro. Eu não uso GPS, porque durante meu tempo de estudante, estudei também os mapas. Os impressos e também observando lá fora, as ruas. Quem faz isto hoje?

Caminhando para os finalmente, vemos que, tardiamente, muitos gestores entraram nos caminhos da consciência ambiental. Em parte devido às novas leis, a qualidade de vida tão alardeada nas pautas políticas, ideológicas ou não, mas também porque os espaços privados dos shoppings saíram na frente neste assunto global. Mais uma vez, a visão empreendedora de negócios se mostra à frente da visão política, que habitualmente coloca seus interesses partidários, de projetos de poder, acima dos interesses coletivos do cidadão. Os shoppings, construídos da década de 90 para cá principalmente, buscaram oferecer também amplos espaços abertos e ajardinados. De 2000 para cá quase não entrei em shoppings, mas observando esses investimentos em paisagismo, em meio ambiente nos novos empreendimentos, acabei conhecendo alguns recentemente, inclusive um em Diadema, que fiz questão de registrar em fotos o investimento em área verde no local. O verde passou a ganhar espaço nos shoppings, mais uma vez, valorizando os profissionais que trabalham com a visão equilibrada dentro do conceito progresso e meio ambiente convivendo harmoniosamente. Engenharia e arquitetura trabalhando com conceito ambiental, aquilo que políticos demoraram para valorizar. Nos últimos dez anos temos visto uma “corrida” de gestores para criação de parques urbanos. Junto a eles, as tais “academias ao ar livre”, com aparelhos para exercícios. Sim, positivo. Mas ainda não vemos estes novos espaços, criados ou revitalizados, distribuídos uniformemente nas cidades. Muitas vezes estes espaços e equipamentos públicos estão em bairros nobres ou próximos a condomínios. Nas periferias temos centros esportivos e áreas com pouco verde. O conceito ambiental ainda não está sendo devidamente levado ao seio popular, às camadas mais pobres da população. A beleza visual que os shoppings têm de sobra, ainda não vemos nos espaços abertos, pelas ruas, avenidas e praças de nossas cidades. E, infelizmente, teremos ainda a explicação da questão da segurança. Segurança privada funciona. Segurança pública funciona, mas não consegue dar conta, porque está atrelada a investimentos dos gestores. Nos shoppings, todo mundo fica à vontade até à noite, até o horário do local fechar. Lá fora, pelas ruas, anoitece e as pessoas já ficam com receio, com medo de andar. Nos shoppings, algumas lojas fecham à noite, mas tem praças de alimentação abertas. Lá fora, só se encontra praças de alimentação em áreas nobres. Pelas regiões centrais, o que temos? Os cinemas foram os primeiros a acabar. Depois deles, veio o efeito dominó.

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Durante minha juventude, já escrevendo, tive minha fase, digamos, radical. De ser aquele combativo do consumismo, do capitalismo selvagem, do “american way of life”. Continuo distante do consumismo e das tentativas de dominações culturais “by States”, mas fui compreendendo que nem tudo tem origem de lado A ou lado B. Houve uma grande mudança global com o fim da chamada guerra fria. Mudança que muitos ainda não enxergaram ou não assimilaram. E continuam com a visão do século passado. A cultura shopping, portanto, é apenas um dos braços das transformações inevitáveis de um mundo globalizado. Uma cultura que nasceu, aparentemente com propósitos seletivos, de criar divisão, mas não foi isto que ocorreu. Os shoppings rapidamente se adequaram a todos. E as cidades? Pergunto; e as cidades e suas regiões centrais? Estão para todos? O público que passou a ser frequentador de carteirinha dos shoppings, voltou a circular pelas praças e calçadões das cidades? Dos bairros e das áreas centrais? Ou só circulam pelos parques e condomínios? Se os gestores não se atentarem a isto, a cultura shopping continuará de vento em popa. E indo à risca… shoppings são realmente cultura… e valorizando a cultura e a educação que não se vê mais nas ruas. As ruas que eu continuo dando valor, circulando a pé, fazendo registros e me sentindo livre, solto, sem medo dos espaços abertos. E, sobretudo, acreditando que um dia conseguiremos encontrar o equilíbrio entre os espaços abertos e fechados.(Ilustração: Depositphotos)

GEORGE ANDRÉ SAVY

Técnico em Administração e Meio Ambiente, escritor, articulista e palestrante. Desenvolve atividades literárias e exposições sobre transporte coletivo, área que pesquisa desde o final da década de 70.

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