Câmara de Jundiaí: MOÇÕES, emoções e inversão de prioridades

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Em textos anteriores, defendi pautas da comunidade trans. Falei sobre o assassinato de uma jovem trans em São Paulo e denunciei falas transfóbicas na Câmara Municipal de Jundiaí, como a tentativa de questionar o uso de banheiros públicos por pessoas trans. Também escrevi sobre o projeto EducaTrans, cursinho que ajuda pessoas trans a concluir os estudos, e compartilhei dados da ANTRA: cerca de 70% das pessoas trans e travestis não concluem o ensino médio, e menos de 0,02% estão no ensino superior. Isso mesmo: considerando toda a população trans do país, nem meio por cento está em processo de obter um diploma universitário. Em um país que lidera o ranking mundial de assassinatos dessa população há 15 anos, esses números não são coincidência — são sintomas de exclusão estrutural. Com base nessa realidade, a Unicamp aprovou por unanimidade a criação de cotas para pessoas trans e travestis. E o que fez a Câmara Municipal de Jundiaí? Nesta última terça-feira(15), aprovou a moção de repúdio 40/2025, criticando essa medida da universidade. Sim, vereadores pagos para trabalhar por Jundiaí dedicaram tempo e energia para se posicionar contra uma política pública de uma cidade vizinha, a cerca de 50 quilômetros de distância. Votaram favoravelmente à moção tão importante: João Victor, Leandro Basson, Madson Henrique, Rodrigo Albino e Tiago da El Elion. O voto de minerva foi de Daniel Lemos(foto do painel de votação da Câmara).

De fato, muitos jundiaienses ingressam na Unicamp. Mas, diante da atual situação das escolas públicas locais — com falta de professores e materiais —, das longas filas no SUS, da negligência com bairros periféricos como o São Camilo, que em muitos trechos nem sequer é asfaltado, é no mínimo questionável que vereadores tenham achado apropriado gastar tempo de uma sessão para dizer a uma das maiores universidades do país que estão descontentes com sua decisão. Qual impacto real uma moção de repúdio emitida em Jundiaí terá sobre a Unicamp? A universidade voltará atrás só porque meia dúzia de vereadores assinaram um documento de desagrado?

Alguns portais noticiaram as falas da tribuna livre e os posicionamentos de vereadoras como Carla Basílio e Mariana Janeiro, que foram contra a moção. Mas o que me espantou foi a quantidade de comentários nas redes sociais apoiando a moção, tratando as cotas como um absurdo. Apenas um comentário chamou atenção para o fato de estarmos em Jundiaí — uma cidade com problemas urgentes, muito mais próximos do nosso cotidiano. A minha sensação é que quase ninguém percebeu a cortina de fumaça que foi criada.

Diferente de outros artigos em que citei a comunidade trans e travesti, desta vez não peço empatia. Isso é um processo individual. Hoje, quero pedir atenção. Atenção ao jogo política na Câmara local. Há vereadores que já operam com essa malícia há tempos. Eles escolhem a dedo as pautas com as quais vão se importar — principalmente aquelas que rendem likes, aplausos fáceis ou reafirmam discursos polarizadores. E, convenhamos, é bem mais fácil aprovar uma moção de repúdio sobre uma universidade de Campinas do que propor projetos de lei sérios para resolver problemas municipais como soluções para transporte público, para postos de saúde, para falta de moradia e tantos outros que poderia passar um bom tempo mencionando.

Se ainda duvida do que digo, aqui vai um testemunho pessoal: desde 2023 acompanho de perto as sessões da Câmara. Vi, inúmeras vezes, cartazes, ativistas, cidadãos suplicando por sessões noturnas — afinal, quem consegue comparecer a uma sessão numa terça-feira de manhã? Vi o povo se organizar e se manifestar a favor dessa pauta. Vi esse pedido sendo ignorado sistematicamente. Em 2024, a proposta de sessões noturnas foi novamente arquivada pela Comissão de Justiça e Redação. A justificativa? “Não havia demanda suficiente”. Só na sessão do último dia 8, finalmente foi aprovada a volta dos trabalhos à noite.

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Então, repito: observe com atenção as prioridades dos vereadores. Em tempos onde tudo parece se resumir a “esquerda X direita”, muitos veem nesses políticos como líderes de torcida, e os seguem cegamente. A sensação é de que tantas horas nas redes sociais estão nos ensinando a ler a política de forma rasa, a escolher lados antes de entender as pautas. Tratam vereadores como torcedores de futebol — gritam, defendem, aplaudem, sem entender as regras do jogo. A política virou um teatro, mas o ingresso somos nós quem pagamos.

Antes de sair defendendo ou atacando uma proposta, pense no quanto ela afeta o seu dia a dia, o seu município. Cuide da sua cidade. Cobre quem foi eleito para isso. E, principalmente, não caia na malandragem.

ANNA CLARA BUENO

De nome artístico Anubis Blackwood, é drag queen, artista performática e visual, professora de inglês, palestrante e produtora cultural. É membro do coletivo Tô de Drag, o primeiro de arte drag de Jundiaí e região. Colabora com o ‘Grafia Drag’, da UFRGS. Produz o festival Drag Vibes em colaboração com o coletivo, para democratizar a arte drag, mostrar sua versatilidade e levá-la a espaços e públicos novos por meio de performances plurais e muito diálogo.

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