O episódio mais emblemático de intolerância religiosa na Câmara Municipal de Jundiaí ocorreu em 2017. Com o plenário lotado de praticantes de diversos terreiros de Umbanda para celebrar o dia da religião, celebrado sempre em 15 de novembro, o vereador Roberto Conde publicou nas redes sociais a frase “povo de Deus, vamos orar por Jundiaí. Agora mesmo na Câmara Municipal vários pais e mães de Santo”, acompanhada de fotos dos umbandistas. O parlamentar respondeu que tudo não passou de um mal-entendido, que sempre publicara fotos do plenário lotado e ficara surpreso com a mobilização dos filhos de santo. A UniTerreiros (Associação União Beneficente e Cultural das Comunidades de Terreiro de Jundiaí e Região) recorreu à Justiça e ficou acertado que o vereador iria se desculpar. No entanto, ao invés de se retratar pela atitude intolerante, disse que perdoava os que hostilizaram. Talvez Caetano Veloso explique tal comportamento que, como uma praga bíblica, tomou os Legislativos pelo país a fora. Em ‘Sampa’, Caetano diz: ‘Narciso acha feio o que não é espelho’. Para explicar o impacto da intolerância nas vidas dos praticantes da Umbanda, o Jundiaí Agora entrevistou o Pai de Santo Miguel Édi Gomes:
Desde quando você é umbandista?
Nasci em berço católico em 1971. Fui batizado, fiz a primeira comunhão e a Crisma. Porém, a Umbanda sempre esteve presente, pois a minha irmã mais velha já trabalhava em terreiro. Aos 19 anos, em 1990, comecei a frequentar um grupo de amigos, que faziam sessões fechadas e iniciei o meu desenvolvimento na religião. Em 2006, depois de cumprir os preceitos conforme orientações do Babalorixá Salvador Maria, dirigente do Templo de Umbanda Caboclo Flecha Ligeira, fui consagrado Babalorixá e no mesmo ano inaugurei o Templo de Umbanda Oxumaré e Caboclo Luar da Mata.
A Câmara de Jundiaí tem um vereador da mesma religião, o delegado Paulo Sérgio Martins. Sempre que um parlamentar cita religiões e não menciona a Umbanda, ele faz questão de pedir a palavra e dizer que “a Umbanda é cristã”. O que acha da atitude dos vereadores que não incluem a Umbanda em seus discursos?
Sim, eu conheço o Paulo Sérgio Martins, antes dele ser vereador, como delegado de Polícia, e sempre defendeu a Umbanda com muito respeito e ética. O parlamentar é, sem dúvida, a única voz da religião que não é sufocada por preconceito religioso, no Poder Público. Ele sempre foi respeitoso com as demais vertentes religiosas que estão inseridas na sociedade. Paulo Sérgio combate a intolerância religiosa com argumentos sólidos, sem ofensas, favoritismos ou dizer que a nossa fé é melhor de quem nos ignora e nos julga. Deus é um só, apenas é visto de forma diferente em cada segmento religioso.

Aliás, você acha que religião é assunto para ser tratado na Câmara?
Particularmente não concordo com assuntos da religião atravessarem a linha da política. Mas, é insustentável ver políticos aproveitando-se da fé alheia, para fixar morada compulsória na cadeira legislativa ou executiva em nome de Deus. Em todas as vezes que trabalhei, como jornalista, minha profissão, nas campanhas políticas municipais ou estaduais, sempre me afastei do meu cargo de presidente do Templo, bem como do comando das sessões espirituais. Eu inseri esta determinação no Regimento Interno, pois religião, ao meu ponto de vista, não deve fazer parte. É claro que há discussões de leis que interferem diretamente nos Templos e Igrejas e o debate tem que ser realizado. Mas veja bem, quem deve discutir são os “homens físicos/ jurídicos” e não os homens de Deus (Babalorixás, Padres, Pastores e demais líderes religiosos). Afinal, as regras serão seguidas pelas pessoas que fazem parte da organização e assistência (frequentadores/assembleia) e não por Deus, Guias, Mentores e Santos.
Nas legislaturas de décadas passadas, questões religiosas raramente entravam na pauta de discussão dos vereadores. Por que estes temas agora são explorados com tanta ênfase?
Eu vejo como apelo. Apelar para o sentimento religioso, a força que a fé pode mobilizar grupos pelo amor a religião ou opressão no controle de assédio: “se não votar, Deus vai castigar…”. É uma ferramenta que, infelizmente, como especialista da área, a comunicação dá este combustível. A tendência é piorar. Com a propagação dos programas televisivos de cunho religioso, em emissoras que foram adquiridos por igrejas ou horários comprados, além das redes sociais, não há limite em fazer da fé um produto político. A sua função é acolher, dar conforto e inspirar uma convivência harmoniosa nesta Torre de Babel de religiões que estão fazendo na nossa Casa de Leis. Nos áureos tempos da Câmara Municipal de Jundiaí, em que acompanhei, como jornalista, sessões do Legislativo e demais atividades, realmente não tenho recordação de Deus fazer parte das discussões para o bem-estar do cidadão jundiaiense. Os políticos daquela época eram com ‘P’ maiúsculo, ativos em seus bairros, bases eleitorais, de onde vinham os votos limpos sem ter que invocar Deus para que o resultado da urna fosse favorável no fim da legislatura. Eles exerciam o seu papel de ‘fiscalizar’ o Executivo e defender o bem comum da população, por isso não tinham tempo de transformar a tribuna da Casa de Leis em púlpito ou palanque religioso. O único que não vejo nesta manobra é o Paulo Sergio Martins. Não falo por favoritismo, pelo fato dele ser da mesma religião que faço parte, mas por conhecê-lo antes de ser político com cargo eletivo. Como delegado de Polícia, servidor público, que sempre pautou o trabalho pela transparência, sem favoritismos ou juízo de valor.
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Acha que Deus gosta disto?
Não tenho a procuração Dele para falar se Ele gosta ou não. Mas com certeza, Deus deve relevar muitas das ações que acontecem na nossa Câmara Municipal de Jundiaí, bem como em outras regiões do mundo. A religião é algo para ser praticado em locais apropriados. Nos templos, terreiros, igrejas e até mesmo na natureza. É o momento da individualidade praticada em grupo em pensamentos elevados e não para discussões que vão falar em nome de um Ser Superior e ‘interpretar’ de forma equivocada e capciosa para se ter algum lucro ou posicionamento de destaque na sociedade.(Publicada originalmente em dezembro de 2023)
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